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O calor mata 15 milhões de pessoas ao ano, afirma OMS; entenda e saiba como se defender

Altas temperaturas já começam a se refletir nos atendimentos de emergência da rede pública

Por Ana Lúcia Azevedo / Bem Estar

O Brasil entra hoje no período de intensificação daquela que ameaça ser a pior onda de calor já registrada em território nacional sob um alerta de saúde pública. Um recém-publicado relatório conjunto da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Mundial de Meteorologia (OMM) destaca que o calor se tornou um dos maiores problemas de saúde da Humanidade e mata cerca de 15 milhões de pessoas por ano no mundo.

Morre mais gente em decorrência de complicações do calor do que de todos os demais extremos climáticos combinados e a tendência é de mais calor, adoecimento e morte. Já é dado como certo que este será o ano mais quente da História, sob a influência de mudanças climáticas combinadas a um El Niño que se fortalece a cada dia e vai durar pelo menos até abril de 2024, segundo análise desta semana da OMM.

Nada menos que um quarto da Humanidade foi exposto a níveis perigosos de calor nos últimos 12 meses, o período mais quente dos últimos 125 mil anos, segundo a instituição Climate Central.

O relatório informa que entre 2000 e 2019, o calor matou 489 mil pessoas por ano no mundo. Mas as organizações destacam que esse número é subestimado, pois a mortalidade associada ao calor não é corretamente notificada na maioria dos países. O relatório diz que o número real de mortes é, no mínimo, 30 vezes maior.

Isso significa que pelo menos 14.670.000 pessoas morrem por ano de calor no mundo. E isso sem considerar os extremos registrados em 2022 e este ano. Em 22, uma única onda de calor matou 60 mil pessoas na Europa.

Além disso, as ondas de calor também mudam a química da atmosfera e exacerbam a poluição do ar. Esta, por sua vez, é responsável por outras sete milhões de mortes por ano no mundo.

Quase sempre, o calor mata porque agrava doenças pré-existentes. E também porque é negligenciado, alertam cientistas. O brasileiro se acha acostumado. E não se protege de temperaturas superiores à tolerância humana, advertem médicos e biometeorologistas.

O perigo, não importa a idade e a boa saúde, começa quando a temperatura do ar supera a do corpo humano, de cerca de 36,5 graus Celsius, explica Fábio Gonçalves, professor de biometeorologia da Universidade de São Paulo (USP). Acima dessa temperatura, o corpo fica sobrecarregado para se manter em equilíbrio.

E temperaturas acima de 36,5 graus Celsius estão previstas hoje e para os próximos dias para os estados do Sudeste, Centro-Oeste, Norte, Nordeste e parte do Sul pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Os mais atingidos devem ser São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, com temperaturas 5°C acima da média de novembro, que já é elevada. Isso significa que algumas cidades podem chegar a 45°C. O recorde até agora no Brasil é de Nova Maringá (MT), com 44,8°C, em novembro de 2020.

Esta onda de calor chama atenção pela dimensão da área atingida, pela intensidade e a duração, pois pode se prolongar por dez dias ou mais em alguns lugares. E quanto maior o tempo de exposição, maior o risco.

Os efeitos do calor e o desconhecimento do risco pela população são visíveis, por exemplo, nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de bairros quentes do Rio de Janeiro, onde as temperaturas devem superar os 40°C nos próximos dias.

A maioria das pessoas que buscam atendimento para uma série de complicações chega muito desidratada e com sinais de exaustão por calor, afirma a médica da UPA municipal de Senador Camará Patrícia Lopes Teixeira, responsável pelos casos mais graves.

Essa UPA atende, em média, mais de 500 pacientes por dia. São moradores de Bangu, Santíssimo, Realengo e Campo Grande, bairros conhecidos pelas temperaturas extremamente elevadas. Mas, dizem os médicos, quase ninguém acha que o calor os adoeceu. Só que o mundo agora aquece mais depressa do que em qualquer momento da história, frisam a OMS e a OMM.

O coordenador médico da UPA, Marco Antônio Martins, afirma que está no momento de a medicina mudar os protocolos de atendimento.

— É praxe perguntar se a pessoa toma remédios, se teve algum contratempo, se é hipertensa ou diabética. Mas o calor não costuma ser considerado. Deve passar a ser — reconhece ele.

Martins diz que existe gente que melhora um pouco só de entrar no ambiente refrigerado da UPA.

Idosos, crianças, pessoas obesas, diabéticos, cardíacos, portadores de doenças respiratórias e pacientes renais são mais sensíveis. E mulheres, em geral, têm menor tolerância do que os homens devido à distribuição de gordura e a fatores hormonais.

Mas nem os jovens escapam da fervura. Com apenas 18 anos, o atendente de escritório Iago Braz, nascido e criado em Bangu, sinônimo de calor no Rio, se achava acostumado. Chegou na UPA quase desfalecido. Ele ia para o trabalho em Deodoro. Começou a se sentir mal no ponto de ônibus, na baldeação da estação de trem, sem ar condicionado, a visão ficou turva e o ar faltou.

— Estou assustado. Achei que a ia morrer, não conseguia respirar direito, minha cabeça parecia que ia explodir. Entrei em pânico. Nunca imaginei que poderia morrer de calor. Mas esse nosso tempo não é normal, é um pesadelo — afirmou logo após se reidratado e melhorar.

O caso de Braz era de início de um colapso por calor, condição conhecida em inglês como heatstroke, mas sem nome definido em português. A falta de noção do perigo é tão grande, que mesmo com o termômetro na casa dos 36°C, mães ainda chegavam na UPA com recém-nascidos enrolados em mantas de lã. E ainda com a recomendação de enfermeiras para que tirassem a manta, elas hesitavam.

— Muita gente ignora o perigo do calor extremo — lamenta Martins.

Teixeira se preocupa sobretudo com os idosos, cuja sensação de sede por vezes é falha.

Muitos chegam aqui com desidratação gravíssima e risco de morrer. A pele seca e os vasos sanguíneos tão ressecados que é difícil até achar um acesso para dar soro. O cuidado com o idoso no calor é essencial. Mas todo mundo precisa estar atento. A pessoa fica no sol quente na rua, sente dor de cabeça e não entende que é um sinal de desidratação e que seu corpo começa a falhar. Tudo piora no calor — enfatiza a médica.

Segundo ela, cardiopatas, diabéticos e doentes renais precisam se cuidar ainda mais.

— A verdade é que quase ninguém chega aqui dizendo que está passando mal de calor. São queixas como “estou tonto”, “não consigo urinar”, e mesmo dor de cabeça, lombar, vertigem, picos de pressão, gastroenterite, crise de cálculo renal. O calor é um inimigo particularmente perigoso porque não é reconhecido. Muita gente poderia não passar tão mal se cuidasse mais, por exemplo, da hidratação e tivesse acesso à refrigeração — salienta Teixeira.

Como se proteger
Médicos e biometeorologistas são unânimes em alertar que a pior coisa que se pode fazer é subestimar os perigos do calor e se considerar acostumado a ele. A seguir, especialistas explicam riscos e medidas de proteção.

ADAPTAÇÃO: É limitada e não evita tormento. É possível conseguir certa tolerância após dias de exposição a temperaturas elevadas até 35°C. Mas Fabio Gonçalves, da USP, diz que é impossível se adaptar a temperaturas na casa dos 40°C. A ideia de adaptação dos habitantes de trópicos é mais uma crença, sem base em dados. Bastam algumas horas no ar condicionado para a adaptação ser perdida porque a termorregulação do corpo é desequilibrada pela radical variação de temperatura.

DOENÇA E MORTE: Dificilmente o atestado de óbito indica que uma pessoa morreu de calor. O motivo declarado pode ser um AVC, um infarto. Vítimas frequentes são pessoas com doenças crônicas, como pacientes renais e diabéticos. Mas quem deflagra uma crise é a temperatura extrema, que faz com que muita gente morra antes da hora.

PANE: O calor agrava condições pré-existentes de saúde porque estressa todo o organismo. E mesmo pessoas saudáveis podem sofrer complicações, se expostas a temperaturas extremas por períodos prolongados. Um estudo da Universidade do Havaí identificou 27 distúrbios pelos quais o calor pode matar ao prejudicar pelo menos cinco mecanismos fisiológicos diferentes.

CURTO-CIRCUITO: Sob estresse térmico, o coração começa a trabalhar freneticamente para bombear o maior volume de sangue possível para a pele e, assim, eliminar calor. A pessoa se sente cansada, ofegante. E a pele seca. Rins, cérebro e demais órgãos internos sofrem com a redução do sangue e do oxigênio. O cérebro reduz a atividade para tentar se resfriar. A consciência começa a diminuir e a visão fica turva. Se a temperatura corporal continuar a subir, a pessoa pode colapsar e morrer porque ocorrem danos cerebrais e falhas nos órgãos.

PERIGO: A exaustão acontece quando a temperatura supera a capacidade de resfriamento. Os primeiros sinais costumam ser pele avermelhada e seca, cansaço, tonteira, náuseas e enjoo.

DESIDRATAÇÃO: O corpo precisa de água para suar e evitar superaquecer. Em dias excepcionalmente quentes, uma pessoa pode suar até dez litros. O sangue fica viscoso. E isso afeta o funcionamento de rins e coração, que precisam fazer esforço extra. A desidratação provoca vasoconstrição, que traz risco de trombose e de derrame. Não se deve esperar ter sede para beber água. Se manter hidratado ajuda, mas não impede o superaquecimento do organismo quando o calor é extremo.

ALERTA: A urina é um bom indicador da hidratação. Quanto mais escura, pior.

LIMITES DO CORPO: Com a temperatura igual ou superior a 37°C com mais de 70% de umidade do ar qualquer pessoa pode começar a ter problemas de saúde, afirma Gonçalves. E cientistas estimam qualquer um passará mal se permanecer mais do que seis horas a 45°C com 50% de umidade, com sensação térmica de 71°C. Segundo estudos deste ano, alguns lugares do mundo têm registrado valores térmicos acima desse limite de risco. Por sorte, a atual onda de calor tende a ser seca.

ATENÇÃO: Não é preciso chegar a 40°C para haver risco. Estudos do grupo de Paulo Saldiva, da USP, revelaram que quando o termômetro supera os 29°C na cidade de São Paulo, aumenta em 50% o número de mortes por causas naturais.

EXERCÍCIO: Deve ser evitado nas horas mais quentes e jamais ser feito ao sol. Ele pode aumentar em até 15 vezes o calor produzido pelo próprio corpo transformando o organismo numa fornalha. Apenas 20% da energia gasta para movimentar um músculo é usada na contração propriamente dita. Os outros 80% o corpo gasta para liberar o calor.

ROUPAS: O ideal seria não usar nada, mas como não é aceitável andar nu ou seminu, é preciso evitar roupas escuras, forradas, apertadas, fechadas e de tecidos que não sejam respiráveis. A cardiologista Fabíula Schwartz, do time de especialistas da Maratona do Rio e autora de trabalhos sobre os perigos do calor, diz que nos esportes, nada de roupas de compressão. Ao comprimir vasos que precisam se dilatar, elas aumentam o desconforto e o risco para a saúde. Compressão é para climas frios. Chapéu e óculos escuros são indispensáveis.

AR CONDICIONADO: Ele é herói e bandido. A OMS diz que apenas ambientes refrigerados são seguros para a saúde em dias de calor extremo. É unanimidade entre especialistas que o ar condicionado protege contra os efeitos negativos do calor e a única forma de manter um ambiente numa zona sem risco para a saúde. Mas no Brasil só 13,91% dos domicílios têm ar condicionado. E o aparelho aumenta o gasto de energia e, assim, as emissões de gases-estufa.

VENTILADOR: Ele só refresca quando a temperatura é de até cerca de 38°C. Porém, consome cerca de 50 vezes menos energia elétrica do que o ar condicionado.

PRIORIDADES: Não é a cabeça, como se costuma imagina, e sim as mãos e o torso os pontos essenciais para amenizar o calor. As mãos porque têm grande concentração de glândulas sudoríparas e o torso porque tem maior superfície.

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